terça-feira, dezembro 29

Presidente da maior empresa de shoppings do Brasil

Gosto de histórias de empreendedores que construíram pequenos impérios do nada. Este sujeito abaixo encaixa-se neste perfil. A reportagem é simples, mas tem lições interessantes. Da Exame, dia 28/12.


Para Multiplan, é hora de apostar na classe C

Presidente da maior empresa de shoppings do Brasil em faturamento diz que vai construir 4 novos empreendimentos e que as classes A e B já não são o foco

Ao longo dos últimos 34 anos, José Isaac Peres construiu a maior administradora de shopping centers do Brasil em faturamento e rentabilidade por metro quadrado, a Multiplan. A empresa tem um valor de mercado de 5,6 bilhões de reais e administra 13 shopping centers próprios, incluindo o ShoppingMorumbi (São Paulo), o BarraShopping (Rio de Janeiro) e o BHShopping (Belo Horizonte. Na época em que foram construídos, esses empreendimentos estavam localizados em áreas pouco habitadas das três cidades - mas que hoje se transformaram em centros de riqueza, impulsionando as vendas. Nessa entrevista aos gestores da Rio Bravo Investimentos, o fundador e presidente da Multiplan diz ter uma ótima intuição para o negócio de shoppings, que, segundo, ele é "mais arte do que engenho". "Tem que olhar para o local e dizer: 'Este serve ou este não serve'."

Peres também afirma que trabalha para cumprir a promessa de dobrar a companhia em cinco anos feita a investidores em 2007, durante o road show para sua oferta inicial de ações. Apesar de ter um portfólio de shoppings mais voltado para as classes A e B, sua intuição agora diz que é hora de olhar para a classe C. A Multiplan planeja construir quatro novos shoppings, em São Caetano, Barra, Campo Grande e Jundiaí. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Pergunta - Quando você percebeu que seu negócio era o varejo?

José Isaac Peres - Eu comecei a trabalhar muito cedo porque precisava ajudar em casa. Nos primeiros anos da faculdade, já trabalhava como corretor de imóveis. Eu ia de manhã à faculdade e à tarde tinha tempo para vender meus apartamentos. E me dei muito bem nesse negocio, fundei uma empresa chamada Veplan em 1963. Por que Veplan? Porque tudo que é meu tem “plan”, influenciado pelas idéias do planejamento macroeconômico, já que a minha faculdade ensinava economia de estado, não microeconomia. Essa empresa se desenvolveu muito, foi a maior empresa de promoção de vendas do país. Depois se tornou incorporadora e construtora e, finalmente, até dona de banco e de shopping center. Em 1971, eu abri o capital dessa empresa na Bolsa do Rio de Janeiro. As ações saíram de 1 cruzeiro para 6 cruzeiros em 60 dias. Eu ainda comprei mais ações, estava empolgado no meu negócio e achava que ação ia a 1.000 cruzeiros, mas, na verdade, eu não entendia nada de bolsa.

Pergunta - Mas com que recursos você ergueu essa empresa?

Peres - Minha grande faculdade foi a vida, o trabalho. Meu primeiro grande desafio começou ao me associar a pessoas num negócio, um empreendimento na rua do Resende (RJ), um edifício de 180 apartamentos de sala e quarto conjugado. Eu não tinha o capital e entrei simplesmente assumindo a dívida. Cheguei em casa com uma escritura debaixo do braço. Meu pai perguntou o que era aquilo. Primeiramente achou que era brincadeira. Depois que ele viu que era verdade, perguntou como eu pagaria a dívida. Eu disse que pagaria a dívida vendendo. Ele perguntou: "E se não vender?”. Eu disse: "Eu não tenho nada a perder porque eu não tenho nada."

Em 90 dias lancei o prédio - naquela época as coisas eram menos complicadas - e vendi tudo em 15 dias. Com isso montei a minha primeira empresa. Com ela fiz centenas de empreendimentos imobiliários e construí meu primeiro shopping center, o Ibirapuera, em São Paulo. Quando vendi minha parte na Veplan - porque meus sócios quiseram se tornar banqueiros e compramos de fato um banco - eu disse: "Nós não temos vocação para ser banqueiros e evidentemente o banco vai quebrar a empresa."

Um dia, sem nenhum arrependimento, disse aos meus sócios que gostaria de sair do negócio para montar outro pois sabia que o banco iria quebrar a empresa. De fato, dez anos depois a empresa quebrou, mas eu já havia montado a Multiplan em 1975. Já tinha 12 anos de experiência como empresário e um enfoque diferente. Achei que a partir dos anos 70, com a crise do petróleo, as coisas iriam mudar. Achei que tinha um novo filão no mercado, que era o shopping center. Em 1977 comecei a construir o shopping de Belo Horizonte e em 1979 ele foi inaugurado.

Pergunta - Você sabia um pouco de varejo?

Peres - Eu fui aprendendo sobre o varejo no tempo do shopping Ibirapuera. Eu sou um homem de desenvolver projetos. Mas eu digo que é mais arte que engenho. É um negócio intuitivo. Você tem que olhar para o terreno e dizer se vai dar certo. Eu construí um shopping em Belo Horizonte na antiga estrada Rio-BH quando aquilo era um deserto, não tinha nem luz. Ninguém acreditava e hoje a cidade se mudou para lá. Então eu acertei.

Em Ribeirão Preto eu comprei um pedaço de uma fazenda de cana-de-açúcar em que o meu consumidor mais próximo era um espantalho da fazenda. Não tinha ninguém lá e hoje é uma cidade. Vim para a Barra da Tijuca quando isso aqui era um areal, o pessoal vinha muito aqui pescar siri. E nós construímos um shopping, o BarraShopping, que alavancou o desenvolvimento da Barra. Construí o MorumbiShopping, que alavancou toda a região da Berrini. Os shoppings estavam localizados em regiões que explodiram demograficamente. Hoje o valor deles é infinitamente maior.

Pergunta - A alma do negócio de shopping center é entender bem de varejo ou dominar a parte imobiliária e saber para onde vai crescer a cidade?

Peres - Tem muita gente que vem para o mundo do shopping achando que é só varejo, mas não é. É um pouco imobiliário e um pouco varejo. Minha sorte é que comecei por baixo como corretor de imóvel até me tornar incorporador, construtor e banqueiro. Fiz de tudo. E fiz umas cinco centenas de empreendimentos. Para isso, tem que estudar pelo menos uns 5.000 casos. Isso me deu um grau de percepção e uma velocidade de decisão muito grande. Mas o maior e melhor conhecimento é o seu conhecimento intuitivo. Tem que olhar para o local e dizer: "Este serve ou este não serve."

Pergunta - Quais são os planos de expansão?

Peres - Eu costumo dizer que, na nossa estratégia, o importante é qualidade, e não quantidade. Temos hoje 13 shoppings, incluindo o recém-inaugurado Vila Olímpia. E como temos participação grande nestes shoppings, temos muito foco naquilo que administramos. O BarraShopping já teve várias expansões. Começou com 120 lojas, hoje é um complexo de 660 lojas. O ex-prefeito César Maia [Rio de Janeiro] me disse que o BarraShopping é a terceira atração turística do Rio de Janeiro, atrás do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor. O shopping de BH passa agora pela sua sétima expansão. É o principal shopping da capital mineira. Em São Paulo temos o shopping considerado o melhor por duas vezes pela revista VEJA, que é o Morumbi Shopping.

Quero que você entenda que ser melhor não quer dizer ser maior nem ser de luxo. É aquele mais abrangente, mais democrático. Trabalhamos para os públicos A, B e C. Não nos concentramos somente na classe A. E tem que ser assim pois o extrato da população brasileira é esse. Estamos focando na classe C, que é uma realidade do Brasil. Em Campo Grande vamos fazer um shopping para a classe C e D com dignidade. Se conseguirmos tratar melhor esse consumidor, nós vamos ter uma resposta mais positiva

Pergunta - Que outros shoppings vocês vão construir?

Peres - Já temos mais de 500.000 metros de ABL [área bruta locável], mas é uma empresa que está crescendo fortemente. Este ano vai demonstrar um crescimento expressivo. Nossos shoppings são muito fortes, por isso cresceram na crise. Não tivemos um mês negativo. Estamos lançando e vamos construir mais quatro novos shoppings: São Caetano, Barra, Campo Grande e Jundiaí. A empresa tem recursos próprios - cerca de 800 milhões de reais em caixa - para fazer estes projetos e outros, que são bastante expressivos. A dívida líquida é negativa. A empresa vai gerar um caixa de 350 milhões de reais por ano em média, o que dá para fazer mais dois shopping centers por ano. Quando fiz o road show [para a oferta de ações da Multiplan], eu prometi às pessoas que em cinco anos eu dobraria o tamanho da empresa. Em menos de três anos, ela já é bem maior

Pergunta - O que mudou na Multiplan desde a abertura de capital?

Peres - Eu brinco muito dizendo que antigamente eu tinha um carro conversível de passeio. Era uma empresa fechada onde eu fazia o que queria. De repente, parece que me colocaram num carro de Fórmula 1 porque eu não posso parar de correr. Nós estamos na corrida, tentando a primeira posição.

Pergunta - A participação dos shoppings no varejo deve continuar crescendo nos próximos anos? A tendência é de interiorização?

Peres - Sem dúvida. Acho que vai crescer no interior e também nas grandes cidades. A tendência à concentração é inexorável. As cidades brasileiras estão se tornando caóticas - e somos um antídoto a esse caos urbano. Para o consumidor, os shoppings são parecidos com telefones celulares. São um antídoto contra a solidão, o maior fantasma da humanidade.

Pergunta - Os shoppings não têm no Brasil a mesma penetração que no mercado americano. O brasileiro já tem shopping à altura dos americanos?

Peres - Sim. Até melhores qualitativamente. Nossos sócios canadenses [o Ontario Teachers' Pension Plan] ficam impressionados com a qualidade dos nossos shoppings. O Canadá têm mais de mil shoppings e eles dizem que fazemos shopping melhor que eles.

Pergunta - Como você planeja o processo de sucessão na Multiplan?

Peres - Meus filhos estão trabalhando comigo. Temos também muitos jovens que foram se formando dentro desta escola. É uma equipe muito boa. Hoje meu principal trabalho é transmitir o meu conhecimento. Às vezes sou chato de contar histórias, mas isso é para que eles entendam a origem das coisas.

Pergunta - No Brasil de hoje, é mais fácil ou mais difícil que uma história como a sua se repita?

Peres - Acho que, na realidade, não há momento difícil quando você tem vocação e gosta daquilo que faz. Quando você coloca amor a tudo que faz, agrega valor, o tempo não pesa, o seu trabalho se transforma num hobby. Então você acaba acertando. Até por medo de errar eu procuro ir a todos os detalhes, me esmerar ao máximo para não ser surpreendido. O sucesso é um somatório de detalhes. Nós fizemos de tudo: hotéis, shoppings, edifícios residenciais. Aqui na Barra somos autores dos três principais projetos de diferentes gêneros: o Golden Green (prédio residencial), o BarraShopping e o Centro Empresarial Barra.

Pergunta - Você tem uma ligação pessoal muito forte com a Barra?

Peres - Eu pessoalmente não sou um apaixonado pela Barra [zona oeste do Rio]. Eu nasci em Ipanema e me criei no Leblon. As minhas raízes são da zona sul. Mas eu sou realista. A minha família toda veio para a Barra e eu vim também. Montei uma arapuca e caí dentro dela. Acabei construindo o Goldem Green e vindo morar nele. Eu quebrei uma regra pois jurei que nunca moraria em nada que eu construísse, até para não ter chateação. Mas o negócio foi tão bem sucedido, o pessoal que comprou ganhou tanto dinheiro, que até hoje ninguém me cobrou nada naquele condomínio de 14 edifícios. Eu tenho um certo orgulho de falar dele pois, dificilmente, numa cidade você consegue fazer um campo de golfe em frente à praia.

Pergunta - A Multiplan tem planos para crescer fora do Brasil?

Peres - Eu já fiz empreendimentos em Miami e fiz o primeiro shopping de Portugal, que foi o Cascais Shopping, em sociedade com o grupo Sonae. Inauguramos em 1991 e hoje é um shopping espetacular, talvez o que mais fatura em Portugal. Depois saímos do negócio porque achávamos que era a hora de se concentrar no Brasil. O país atravessou fases muito difíceis até vir o Plano Real e estabilizar a moeda. A partir daí, entendemos que era o momento de investir no Brasil. Quando estivermos muitos capitalizados e quando se esgotarem as possibilidades aqui - o que não acontecerá tão cedo - será o momento de pensar em América Latina e até em outros países.

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