segunda-feira, setembro 3

Pesquisa etnográfica: enfim, o consumidor de carne e osso

Mais um texto para complementar a compreensão da importância da pesquisa no contexto do planejamento de propaganda, especialmente quanto a atenção que se deve dar para saber qual o método mais adequado a utilizar.
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Usar o lava-louças principalmente para limpar a pia, converter o desodorante num microfone, escovar o celular para higienizá-lo e mantê-lo impecável, transformar detergente em pó em produto para lavar pisos e quintais... Ao longo dos últimos anos, temos visto nossos clientes se surpreenderem com fatos e ações inesperadas dos consumidores em seu dia-a-dia. E, a partir da surpresa, terem momentos riquíssimos de insights e estímulo.

As surpresas que surgem quando se pesquisa a fundo o consumidor são freqüentes, seja por suas idéias sobre os produtos, a relação que fazem de uns e outros ou o modo como uma marca ou serviço se integra ao seu mundo pessoal. Muitas vezes, são esses fatos imprevistos (senão secundários aos objetivos iniciais de algum estudo mercadológico) que acabam ilustrando, com força incontestável, a melhor maneira de um cliente se comunicar com a audiência, de pensar em uma extensão de produtos e/ou de re-significar ofertas para gerar um diferencial competitivo.

A importância de entender em profundidade como o consumidor se vincula aos produtos e serviços e processa seu comportamento na hora de avaliar ou optar por este ou aquele é cada vez mais imperiosa. Mas nem todas as ferramentas de pesquisa tradicionalmente disponíveis demonstram ter o mesmo grau de eficácia.

Entrevistas por questionário estruturado ou mesmo discussões em grupo dificilmente criam oportunidades que possibilitem ao consumidor se abrir completamente na frente de desconhecidos e desvendar condutas interpretáveis como heterodoxas. Apesar da sua imensa contribuição à informação e inteligência de mercado, não é esse o papel da pesquisa quantitativa ou dos focus-groups convencionais. Tal privilégio revelador está reservado para uma variante da pesquisa qualitativa que vem ganhando popularidade: a etnografia.

Também chamada de “observação participante” ou “pesquisa interpretativa”, a pesquisa etnográfica consiste em um processo guiado pelo senso questionador do etnógrafo, que visa desnudar o cotidiano do consumidor. Seu prestígio está no fato de ela ter enriquecido a pesquisa qualitativa, sobretudo por estudar as diferenças e as exclusões sociais. O próprio fato de trazer para a pesquisa de mercado uma visão mais holística e abrangente da cultura já é uma contribuição importante; isto é, a cultura não é só vista como reflexo das forças estruturais da sociedade, mas como um sistema de significados entre as estruturas sociais e a ação do homem.

Apesar disso, algumas técnicas qualitativas de vanguarda, inclusive a pesquisa etnográfica para uso no marketing, continuam sendo criticadas. Uma crítica relacionada à etnografia é de que ela não tem preocupação em contextualizar as concepções e condutas dos pesquisados. Ou seja, são descritas as diferentes formas de consciência, sem explicar como e por que se desenvolveram. Claro que o contexto histórico e estrutural é extremamente importante, mas não devemos esquecer que o uso da pesquisa de mercado como ferramenta deve ser sempre mais pragmático, objetivo e voltado às necessidades mercadológicas.

Se considerarmos que a entrevista em profundidade que é feita hoje, a rigor, é muito mais uma “entrevista em semiprofundidade”, pois dificilmente ultrapassa as duas horas de duração, a etnográfica é importante como solução para o problema. Isso porque busca realmente investigar a fundo questões como a verdadeira relação do consumidor com o produto e a marca, possibilitando (até pelo tempo maior de contato com o pesquisado) interpretar manifestações não-verbais, o que dificilmente se consegue em técnicas qualitativas tradicionais.
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Outro benefício dessa pesquisa é revelar as “incoerências” dos consumidores, que, acompanhados em sua rotina, acabam falando e se mostrando mais e, assim, se contradizendo. Em última análise, em marketing, a pesquisa etnográfica difere por buscar realmente desvelar a “caixa preta” que envolve as relações de consumo.

O que não se pode aceitar é que se considere pesquisa etnográfica como mais uma técnica “da moda”, utilizada sem critérios e aleatoriamente. Optar por seu uso como solução de um problema se dá principalmente quando outras técnicas tradicionais não suprem os objetivos e quando são necessárias informações e insights advindos de um contato mais estreito com o consumidor.
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E vale lembrar que a etnografia baseia-se no princípio da pesquisa social, de que a sociedade e a compreensão do mundo social estão em movimento constante; portanto, generalizações não fazem sentido. Seus resultados são realmente uma fotografia do momento e revelam, por fim, o consumidor “de carne e osso”, com suas incoerências, vulnerabilidades, sem máscaras ou rótulos.

Certamente será muito mais rico se utilizarmos a pesquisa etnográfica para conhecer, em profundidade, as atitudes, valores, crenças e comportamento do consumidor. Ou ainda, o que está por trás de sua fala, seu gestual, seu comportamento, fazer uma leitura do seu corpo.

O produto EtnoView, da Market Analysis, é uma ferramenta rica e útil de exame etnográfico do consumidor, baseado num mix de entrevistas filmadas, analisadas e editadas com acompanhamento pessoal do dia-a-dia do entrevistado. Esse formato inovador oferece flexibilidade e adaptação aos objetivos da pesquisa, possibilitando a inclusão de instrumentos complementares e não convencionais de coleta de dados, tais como diários, fotos etc. Além disso, é um produto menos invasivo do que outras técnicas atualmente em uso, pois é o próprio entrevistador quem filma as entrevistas, respeitando o entrevistado e criando, sem dúvida, uma maior cumplicidade entre pesquisador e pesquisado.

Concluindo, quanto mais profundamente conhecermos o consumidor, mais preparados estaremos para atender seus desejos e necessidades e “superar” a concorrência.
E a pesquisa etnográfica é uma ferramenta importante nesse processo.

Marcelo Novazzi é coordenador de projetos da Market Analysis Brasil e especialista em pesquisa qualitativa etnográfica.

Evitando os Erros Comuns em Pesquisas

Este é um bom texto para complementar as lições do capítulo 3 do livro A arte do Planejamento, de Jon Steel, que estamos trabalhando. O autor reflete sobre os erros mais frequentes em pesquisas quantitativas e qualitativas, e dá dicas de como evitar cair no mesmo caminho.
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Talvez a maior qualidade de um bom marketeiro seja a capacidade de se colocar na pele de seu consumidor. Mesmo que seu produto não seja uma grande inovação, se ele for capaz de pensar como o consumidor, dificilmente fará um grande erro ou desperdiçará dinheiro da empresa.

Entretanto, somente a experiência pessoal não fornece o conhecimento necessário para avaliar com precisão a reação do mercado a novas idéias, conceitos e produtos. O feeling geralmente carrega consigo preconceitos e uma visão pessoal do mercado. É aqui que entra a pesquisa. Ainda vista por muitos como algo muito complicado e caro (o que pode ser verdade, já que certos modelos de mercado chegam a custar dezenas de milhares de dólares), mesmo uma pesquisa simples e barata, mas bem-feita, é muito melhor que não fazer pesquisa alguma.

A dica desta semana procura ajudar os iniciantes a escaparem de alguns erros comuns. Pode parecer brincadeira, mas muitas vezes o marketeiro não consegue definir com exatidão qual é seu problema, que informações deseja conseguir e como a pesquisa pode ajudar. Este é o primeiro passo: uma boa pesquisa só existe com um bom briefing. Outro ponto importante é ter uma hipótese a ser testada, que poderá ser confirmada, negada ou refinada com os dados coletados. Esta hipótese pode ser qualquer um dos fundamentos de um plano de marketing sobre o qual haja dúvidas , como quem é meu consumidor, como ele usa meu produto, qual será a aceitação de meu novo serviço.

Em seguida, a decisão geralmente é escolher entre pesquisa quantitativa ou qualitativa. É importante lembrar que estes dois tipos não são conflitantes, mas complementares. A quali auxilia a entender, perguntando o quê, o porquê e o como; enquanto a quanti ajuda a medir, perguntando quantos, quantas vezes, a que preço.

A pesquisa quali é importante porque consegue muitas vezes descobrir motivações e atitudes inconscientes que definem comportamentos, através de técnicas projetivas. Desta forma, ela vai além das respostas racionalizadas e superficiais, podendo tocar na criatividade do consumidor e gerar compreensão sobre novos usos e conceitos potenciais. Ela pode ser utilizada quando a empresa precisa entender melhor seu mercado, compreender comportamentos, motivações e atitudes dos consumidores, buscar direcionamento no desenvolvimento de produtos ou gerar idéias para novos conceitos.

Já a pesquisa quantitativa consegue colocar conceitos em números: qual a porcentagem dos consumidores que prefere nosso produto ao concorrente, é um exemplo. O melhor uso deste tipo de pesquisa é a quantificação das respostas ou caminhos encontrados na pesquisa quali, através de questionários cujas respostas podem ser analisadas estatisticamente se tiverem amostras adequadas. Como a interação com o consumidor é menor na pesquisa quanti, é importante que o questionário não seja longo demais, que as perguntas sejam claras, sem espaço para ambiguidade, e principalmente que elas não direcionem a resposta.

Um erro comum que deve ser evitado é que no meio do processo, após a definição da hipótese e das ações gerenciais a a serem tomadas com os resultados da pesquisa, inventa-se de aproveitar a pesquisa para se colocar mais umas perguntinhas no questionário, ou chama-se a moderadora para extrair mais umas informações do grupo, e acaba-se com um resultado confuso e disperso. Frequentemente, perde-se o objetivo e não se faz nada com o relatório de resultados. Lembre-se: pesquisa só é feita para ser seguida por ação.

Finalmente, antes de iniciar um projeto de pesquisa, lembre-se que você pode conseguir praticamente de graça uma quantidade imensa de informação através de dados secundários, seja em estatísticas demográficas, estudos científicos, pesquisas públicas de opinião e até websites da mídia ou mesmo da concorrência. É impressionante a quantidade de informação que pode ser conseguida nos press-releases de seu concorrente.

Hoje também estão disponíveis na Internet sites como o www.zoomerang.com onde é possível se construir rapidamente questionários e enviá-los como um link diretamente para os endereços de e-mail de seu público. O respondente acessa o site e suas respostas são automaticamente tabuladas e apresentadas como gráficos e tabelas. Até 100 questionários respondidos, o uso é gratuito. Dependendo do ânimo do seus consumidores, você pode ter seus resultados em dois ou três dias. Nada como a tecnologia...

Por Marcos Dutra - Editor Pensando Marketing